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A economia da desinformação, parte I

Atualizado: 16 de mar. de 2023



A ascensão de populistas autoritários como Donald Trump, Viktor Orbán e Jair Bolsonaro ligou um alerta sobre como a desinformação associada à tecnologia pode ser utilizada para eleger figuras que provavelmente não chegariam ao poder por vias tradicionais.

Uma vez no poder, essa mesma combinação passou a ser utilizada para embaralhar o processo de produção de políticas públicas, impactando negativamente atividades até então corriqueiras como tomar vacinas, frequentar escolas e universidades ou discordar civilizadamente de quem enxerga o mundo de outra forma.


É nesse contexto que diversos países ao redor do mundo têm se debruçado sobre a possibilidade de regular a veiculação de desinformação, especialmente por meio de mídias sociais.

Um bom indicador da relevância progressiva desse tema está no mercado editorial, com dezenas de livros sendo publicados desde 2016, procurando abordá-lo pelas mais diversas perspectivas. Em um deles, Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, Giuliano da Empoli procura mostrar que a ascensão dos tais populistas autoritários seria o resultado de um movimento orquestrado, que envolve ideólogos, especialistas em ciência comportamental e cientistas de dados, iniciado na Itália no começo dos anos 2000.

O diagnóstico predominante tem sido que esse movimento coloca em risco a sobrevivência das democracias representativas, já que, uma vez instalados no poder, essas lideranças autoritárias agiriam para minar pilares básicos desse tipo de regime: como a separação e a independência entre os poderes legalmente constituídos e as regras que garantem a isonomia das disputas eleitorais. Exemplos comumente citados desse tipo de erosão institucional a partir da eleição de lideranças autoritárias são Hungria, Polônia, Filipinas, Israel e, mais recentemente, o México.

É nesse contexto que diversos países ao redor do mundo têm se debruçado sobre a possibilidade de regular a veiculação de desinformação, especialmente por meio de mídias sociais. O exemplo mais conhecido e mais amplo desse tipo de regulação até agora é a Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês), que passou a vigorar na comunidade europeia em 1º de novembro de 2022, embora as empresas e plataformas tenham até o dia 17 de fevereiro de 2024 para se adequar às novas regras.


No Brasil, esse debate também ganhou relevância, especialmente após a eleição de Jair Bolsonaro. Desde 2018, dezenas de projetos de lei passaram a tramitar no Congresso Nacional com o objetivo genérico de regular a circulação de desinformação. Aquele que se encontra em estágio mais avançado de tramitação é o PL 2630/2020 (e suas dezenas de apensados), que foi aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados em 03 de julho de 2020, onde tem sido debatido desde então.


A avaliação das chances de aprovação dessa matéria fica para outra oportunidade, em formato mais apropriado (relatório de inteligência política). Neste insight e no próximo, gostaria apenas de chamar a atenção para o fato de que regular desinformação (fake news ou qualquer outro nome que se dê a isso) está longe de ser um exercício trivial.



Por que é tão difícil combater a desinformação?

As dificuldades começam quando se tenta definir a coisa: o que é desinformação? Não é difícil imaginar que inúmeras respostas possam ser oferecidas a essa questão e que qualquer discussão minimamente aprofundada sobre o assunto precisa enfrentá-la.


Tome-se como exemplo o texto original do PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE), que propõe instituir “a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. O texto sofreu dezenas de emendas durante sua tramitação no Senado, muitas das quais motivadas por formas distintas de enxergar o que vem a ser cada uma dessas coisas (liberdade, responsabilidade e transparência), bem como regulá-las no território da internet (em contexto digital).


Coisa semelhante deve ocorrer na Câmara dos Deputados, isso se de fato houver acordo para sua tramitação, o que não foi possível na legislatura anterior (2019-2023): a matéria está parada na Casa desde julho de 2020. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) prometeu “trabalho duro” para que a matéria chegue ao Plenário, mas ninguém sabe se isso será suficiente.


Essas divergências, digamos, teóricas geram uma enormidade de emendas, que são modificações (para usar um eufemismo) que os parlamentares vão acrescentando ao texto original para deixá-lo mais palatável ao seu próprio gosto ou ao daqueles que eles representam. Como se pode imaginar, isso produz distorções que vão se acumulando até eventualmente deixar o projeto irreconhecível.


Para alguns analistas bem-informados, como o professor Pablo Ortellado (USP), esse é justamente o caso do PL 2630: “a última versão do texto, de abril de 2022, retirou praticamente todas as medidas efetivas de regulação dos aplicativos de mensagens propostas pelo Senado e incluiu um dispositivo pernicioso de imunidade parlamentar que, a depender da interpretação, poderia eximir os políticos da moderação das plataformas”.


Como se nota, as dificuldades vão se avolumando e ainda estamos no campo de uma definição básica do que vem a ser desinformação. Outros ingredientes ainda precisam ser adicionados. Mas isso fica para outro Insight.


Wellington Nunes - PhD em Ciência Política e Consultor chefe da ARW


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