
A Lei n.º 14.211/2021, entre outras coisas, fixou novas regras para participação no cálculo das chamadas “sobras” (cálculo de médias), passando a exigir que partidos e candidatos obtenham uma votação mínima (80% e 20% do quociente eleitoral, respectivamente) para poder participar da distribuição de cadeiras remanescentes (aquelas não preenchidas pela aplicação dos quocientes partidários).
As novas regras foram aprovadas pelo Congresso em tempo hábil para vigorar nas eleições de 2022. Ainda assim, duas Ações Diretas Inconstitucionalidade (ADIs) foram levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade da mudança no Código Eleitoral aprovada pelo Congresso por meio da Lei 14.211/2021: a primeira foi protocolada pela Rede Sustentabilidade em agosto de 2022 e a segunda, por Podemos e PSB, após as eleições.
Ainda que se concorde que o multipartidarismo nacional, até certo ponto, reflita a heterogeneidade de um país imenso e desigual, como argumentou Sérgio Abranches em seu artigo pioneiro sobre o nosso presidencialismo de coalizão, é difícil discordar que esse processo exige limites institucionais claros.
Ainda assim, duas Ações Diretas Inconstitucionalidade (ADIs) foram levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade da mudança no Código Eleitoral aprovada pelo Congresso por meio da Lei 14.211/2021: a primeira foi protocolada pela Rede Sustentabilidade em agosto de 2022 e a segunda, por Podemos e PSB, após as eleições.
As duas ações estão sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski e já receberam parecer contrário da Advocacia Geral da União (AGU); o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) deve sair nos próximos dias, já que os parlamentares eleitos em outubro tomam posse na próxima semana. Caso as ações sejam acatadas, sete deputados federais eleitos e diplomados poderiam perder seus mandatos.
É muito improvável, no entanto, que isso ocorra. Declarar inconstitucional a referida mudança equivaleria a cassar uma lei discutida, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional. É verdade que isso foi feito em 2006, a propósito das cláusulas de desempenho, mas os contextos são bastante diferentes por, pelo menos, duas razões.
Em primeiro lugar, o clima de conflagração vivido nos últimos meses não tem precedentes na Nova República e desautorizar o Legislativo, nessa conjuntura, equivaleria a jogar gasolina na fogueira. Em segundo lugar, há o aprendizado com o episódio de 2006: os efeitos negativos no sistema político nacional gerados por aquela interferência indevida são muito evidentes para serem ignorados.
Um precedente histórico
Ainda que se concorde que o multipartidarismo nacional, até certo ponto, reflita a heterogeneidade de um país imenso e desigual, como argumentou Sérgio Abranches em seu artigo pioneiro sobre o nosso presidencialismo de coalizão, é difícil discordar que esse processo exige limites institucionais claros.
Esse fato foi reconhecido pela própria classe política nacional, quando o Congresso Nacional incluiu na Lei dos Partidos Políticos (9.096/95), a chamada cláusula de desempenho (conhecida erroneamente como “cláusula de barreira”), que não impedia (ou barrava) o surgimento de novos partidos, mas estabelecia critérios mínimos de desempenho eleitoral para que as legendas existentes pudessem acessar recursos públicos, como fundo partidário e horário eleitoral gratuito.
Esse dispositivo, no entanto, foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2006. Com o tempo, como sabemos, essa decisão seria considerada duplamente equivocada, inclusive por alguns membros da Corte Suprema: primeiro, porque o STF cassou uma Lei discutida, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional, o que politólogos chamam de judicialização da política; segundo, porque ao permitir que legendas sem base social relevante acessarem recursos como o fundo partidário e o horário eleitoral gratuito, a decisão permitiu um assombroso crescimento do número de partidos (incluindo os “de aluguel”), que está no cerne da progressiva instabilidade política da última década.
Foi nesse contexto que novas transformações foram acrescentadas, pelo Parlamento, à nossa legislação eleitoral, incluindo o retorno das cláusulas de desempenho (2017), o fim das coligações proporcionais (2019) e o advento das federações partidárias (2021).
O imbróglio atual: mudanças no cálculo de distribuição das cadeiras em eleições proporcionais
A reforma eleitoral de 2017 também alterou a forma de calcular a distribuição de cadeiras remanescentes (aquelas não preenchidas pela aplicação dos quocientes partidários). Mais precisamente, a Lei nº 13.488 daquele ano, entre outras coisas, modificou a redação de um dos parágrafos (§2º do inciso III) do artigo 109 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965).
O referido artigo trata da distribuição das cadeiras remanescentes e sua redação original dizia o seguinte:
§ 2º Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos ou as coligações que tiverem obtido quociente eleitoral (Lei nº 4.737, de julho de 1965).
Já a nova redação ficou assim:
§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito” (Lei nº 13.488, de 2017).
Como se nota, a diferença fundamental diz respeito à exigência de atingimento do quociente eleitoral para que os partidos possam participar da distribuição das cadeiras restantes ou remanescentes: a reforma eleitoral de 2017 eliminou essa exigência, permitindo que todos os partidos incluídos no pleito, independentemente da quantidade de votos recebidos, participem dessa segunda etapa de distribuição, permitindo que legendas com votações inexpressivas ou irrelevantes obtenham cadeiras no Legislativo.
A Lei n.º 14.211/2021, porém, fixou novas regras para participação no cálculo das chamadas “sobras”, passando a exigir que partidos e candidatos obtenham uma votação mínima (80% e 20% do quociente eleitoral, respectivamente) para poder participar da distribuição de cadeiras remanescentes.
É essa mudança que PSB, Rede e Podemos estão questionando na justiça, com poucas chances de êxito, dadas as enormes diferenças entre os dois contextos.
Wellington Nunes - Phd em Ciência Política e Consultor chefe da ARW
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