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Reforma tributária e configuração de interesses



Comecemos reafirmando o óbvio: o Brasil possui uma carga tributária de nível intermediário quando comparada com a realidade internacional, algo em torno de 32% do PIB, mas muito regressiva, o que significa que a arrecadação incide muito mais sobre consumo (PIS, Cofins, ICMS etc.) do que sobre renda (tributos sobre renda, riqueza, herança etc.).


Quem acompanha o noticiário econômico já percebeu que o tema voltou a frequentar tanto pronunciamentos e entrevistas de políticos quanto editoriais, reportagens e colunas produzidas pela imprensa. O que deve se intensificar nas próximas semanas, após a posse do novo Congresso.

Qualifica-se esse tipo de estrutura tributária como regressiva porque ela onera, proporcionalmente, mais os pobres (que tem a maior parte de seus rendimentos comprometida com o consumo) do que os ricos. Adicionalmente, o sistema de arrecadação nacional é caótico, composto por um emaranhado de alíquotas, taxas, tributos, substituições e regimes de arrecadação capazes de confundir até mesmo contabilistas e tributaristas experientes.


Com isso em mente, é difícil discordar da afirmação de que o Brasil precisa de uma reforma tributária, capaz de tornar o processo de arrecadação mais simples e menos regressivo. Tanto é assim que a cada quatro anos, pelo menos, o tema entra na pauta política nacional, sempre que um governo novo se inicia. Tem sido assim há três décadas e no primeiro semestre de 2023 não será diferente.


Quem acompanha o noticiário econômico já percebeu que o tema voltou a frequentar tanto pronunciamentos e entrevistas de políticos quanto editoriais, reportagens e colunas produzidas pela imprensa. O que deve se intensificar nas próximas semanas, após a posse do novo Congresso.


Cenário legislativo


Concordar que o país precisa de uma reforma tributária, porém, é bastante diferente de chegar a um acordo sobre qual reforma deve ser feita, uma vez que mudanças nas regras do jogo tendem a produzir ganhadores e perdedores. Com o tema da reforma tributária não é diferente. É por isso que há centenas (sem hipérbole) de projetos de reforma em tramitação no Congresso Nacional, cada um deles puxando a sardinha em direção à brasa de diferentes grupos sociais organizados.


Duas dessas propostas são mais ambiciosas (porque propõem reformas mais amplas), encontram-se em estágios mais avançados de tramitação e foram amplamente debatidas nos últimos anos: a PEC 45/2019, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), está pronta para ser votada no Plenário da Câmara desde maio de 2021; e a PEC 110/2019, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde julho de 2019.


A rigor, tanto uma quanto outra poderia ter sido aprovada em 2019, caso essas propostas não tivessem sido solenemente ignoradas pela equipe econômica do governo de turno, que optou por elaborar um novo projeto: foram dezoito meses esperando uma proposta que sairia na “semana que vem”.


Quando ela finalmente foi apresentada ao Congresso, tratava-se de um esboço propondo apenas a unificação de PIS e Cofins (tributos federais) e a (re)criação de um imposto sobre transações financeiras, aos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), uma obsessão do então ministro da Economia, em troca de alguma desoneração na folha de pagamentos das empresas. A proposta (PL 3887/2020) não foi aprovada, mas segue em tramitação na Câmara.


Realizar uma reforma tributária é, como se sabe, um dos pontos principais da agenda do governo Lula, compromisso assumido ainda durante a campanha e já reiterado diversas vezes após a eleição. O novo governo também já indicou que pretende aproveitar os dois projetos mais maduros em tramitação no Congresso, justamente as PECs 45 e 110. Caso isso se confirme, é provável que não se criem (novas) dificuldades – o que não quer dizer que velhos problemas não precisarão ser enfrentados.


Reforma tributária e a configuração de interesses


Via de regra, esses problemas, embora possam ser muito diversos entre si, possuem uma origem comum: a configuração dos interesses sociais organizados. Como qualquer proposta de mudança nas regras do jogo (e é isso que reformas fazem) produz ganhadores e perdedores, é possível antecipar que: i) haverá resistência daqueles setores que se sentirem prejudicados com uma eventual reforma; ii) essa resistência será tanto maior quanto mais ampla forem as propostas de mudança e a capacidade de organização e pressão dos setores que se sentirem prejudicados.


Pegue-se como exemplo as propostas de unificação e equalização tributária, ponto incontornável de uma reforma digna do nome no Brasil. Quem acompanha os debates sobre o tema sabe que o principal foco de resistência a proposições do gênero está no setor de varejo e serviços. Mesmo a proposta menos ambiciosa que está sobre a mesa (PL 3887/2020) encontrou enorme resistência em instituições que representam os interesses corporativos do setor. Isso porque, embora apoiassem a criação de um imposto sobre transações financeiras em troca de alguma redução na Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), não concordavam com a proposta de reunir PIS e Cofins em um tributo único, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).


Pelo menos não com alíquota de 12%, que foi definida com o objetivo de conferir isonomia na tributação sobre os diferentes setores da economia – hoje a indústria é sobretaxada em relação ao setor de serviços, por exemplo. Representantes deste último propuseram, então, que a tarifa da CBS fosse reduzida para 7%, o que manteria a tributação de varejo e serviços no nível atual e continuaria sobretaxando outros setores econômicos.


Em outros termos, os representantes dos interesses corporativos do setor estão dispostos a apoiar uma reforma tributária que preserve os privilégios tributários de seus afiliados, justamente o que as propostas de reforma pretendem alterar.


Por causa disso e por possuir elevado poder de barganha, já que responde por cerca de 70% dos empregos gerados no país, o setor de varejo e serviços deve continuar sendo o principal adversário de uma reforma tributária no Brasil – pelo menos no que diz respeito à equalização tributária entre diferentes setores econômicos.


Wellington Nunes - PhD em Ciência Política e Consultor chefe da ARW





 
 
 

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