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Como influenciar políticas públicas



Representação de interesses é um assunto muito amplo, que pode ser abordado das mais diversas maneiras e sobre o qual há vastíssima literatura científica. Alguns dos principais trabalhos serão referenciados aqui, mas, como de costume, não se pretende conferir um tratamento acadêmico ao assunto. Comecemos falando da importância de definições conceituais claras e considerando o conceito de representação.


Por que definições conceituais importam?


Definições conceituais precisas são imprescindíveis à atividade cientifica em qualquer área do conhecimento, o que não impede que controvérsias teóricas sejam mais ou menos comuns, dependendo da área em questão.


No caso das ciências sociais (em geral) e da ciência política (em específico), desavenças conceituais não são apenas recorrentes, mas também bastante intensas e costumam dividir os pesquisadores em diferentes grupos, com escassa comunicação entre si. Isso ocorre porque, ao aderir à determinada agenda de pesquisa, é comum que pesquisadores se dediquem quase que exclusivamente aos debates teóricos e metodológicos do seu próprio campo de estudos. Em outros termos, pesquisadores tornam-se especialistas em determinados temas e problemas, bem como em formas específicas de lidar com eles.


Alguns conceitos, no entanto, são tão relevantes em dada área do conhecimento que simplesmente não podem ser ignorados. No caso da ciência política, estão entre eles noções básicas sobre, por exemplo, regimes políticos (democráticos ou autoritários), formas de governo (monarquias ou repúblicas), sistemas de governo (parlamentaristas ou presidencialistas), sistemas eleitorais (majoritários ou proporcionais) e sistemas partidários (bipartidários ou multipartidários).


Para além disso, especialmente relevante para os nossos propósitos neste texto, é o conceito de representação. Comecemos considerando que, embora muitas das manifestações empíricas da representação sejam amplamente conhecidas (representantes periodicamente eleitos ocupando cargos públicos, por exemplo), sua definição teórica é mais controversa. Isso corre, como notou o cientista político italiano Maurizio Cotta, tanto por razões históricas quanto semânticas.


No primeiro caso, a natureza da representação varia em função contexto histórico: representação por camadas sociais, durante a Antiguidade e a Idade Média, e sufrágio universal em tempos contemporâneos, por exemplo. Do ponto de vista semântico, tanto o verbo (representar) quanto o substantivo (representação) podem assumir os mais variados significados: do advogado que representa um cliente ao ator que representa uma personagem no palco (Cotta 2000, p. 1101-1102).


Por causa disso, segue o autor, é preciso ter em conta que a representação, conceitualmente, possui duas dimensões básicas: ação e reprodução. No primeiro caso, representar é agir de acordo com determinados padrões de comportamento: espera-se que um advogado defenda seu cliente, e não que auxilie a promotoria na acusação. No segundo, trata-se de reproduzir certa visão de mundo e suas respectivas prioridades e/ou peculiaridades: o representante assemelha-se aos representados (Idem, p. 1102).


Essa distinção, no entanto, diz respeito à representação em geral, e não a representação política em específico. Neste caso, diz Cotta, a manifestação da especificidade da representação política manifesta-se quando comparamos um regime representativo com outro do tipo autoritário: a diferença fundamental é o controle por parte dos governados, que existe (em maior ou menor medida) no primeiro caso, mas não no segundo.


Dessa forma, o conceito de representação, em sua acepção política, pode ser definido como “um mecanismo político particular para a realização de uma relação de controle (regular) entre governados e governantes” (Idem, ibid.).


Mas de que tipo de controle estamos falando? A resposta depende do modelo de representação que estiver em questão.


Modelos de representação


Na teoria democrática, há três modelos puros de representação: no primeiro deles a representação é entendida como relação de delegação; no segundo, de confiança; e no terceiro, é vista como um espelho da sociedade.


O modelo de representação enquanto relação de delegação enxerga o representante como um executor da vontade de seu representante. Por causa disso, ele também é conhecido como modelo de mandato vinculante ou imperativo, uma vez que os representantes estariam obrigados a atender (sempre) à vontade de seus eleitores, sob pena de serem destituídos dos seus respectivos cargos. Embora esse tipo de representação faça muito sucesso entre defensores de algum tipo de participação direta dos representados em decisões públicas (como nas pequenas cidades-estados da antiguidade), ele jamais foi implementado em sociedades modernas e complexas.


Como observou Bernard Manin, desde o fim do século XVIII, nenhum governo representativo “admitiu mandatos imperativos ou concedeu o estatuto de obrigação legal às instruções dadas pelos eleitores” nem “instituiu um sistema de permanente revogabilidade dos representantes”, em caso de descumprimento da vontade dos representados (Manin 1995, p. 3).


A concepção predominante é, ao contrário, a de que o representante eleito representa o conjunto da nação, e não um distrito ou base eleitoral específica. Esta é justamente a concepção da representação como uma relação de confiança (ou fiduciária) entre representantes e representados. A referência incontornável aqui é Discurso aos eleitores de Bristol, do filósofo e político britânico Edmund Burke.


Nos termos de Cotta (2000, p. 1102), o modelo de confiança atribui ao representante “uma posição de autonomia e supõe que a única orientação para sua ação seja o interesse dos representados” tal como percebido pelo representante. Manin (1995) observa, adicionalmente, que a preferência dos teóricos da representação (entre os quais Madison e Hamilton nos Estados Unidos) pelo modelo de confiança não se baseava em questões de ordem prática, mas de princípios: ou seja, para esses autores, a representação é qualitativamente superior a participação direta dos cidadãos.


Por fim, o modelo que concebe a representação como espelho (também conhecido como modelo sociológico), entende que os órgãos representativos devem “espelhar” a sociedade, refletindo suas características como uma espécie de microcosmo social. Os problemas começam, como observou Cotta, quando se pergunta quais características da sociedade as instituições políticas deveriam reproduzir.


E a maior dificuldade, segue o autor, não está na reprodução do espectro ideológico da sociedade, algo que pode ser alcançado sem muitas dificuldades por meio de sistemas de representação proporcionais. Mas, isso feito, ainda restam características socioeconômicas, religiosas, culturais, étnicas, raciais etc., muito mais difíceis de serem reproduzidas – principalmente entre políticos profissionais (Cotta 2000, p. 1103).


Como se percebe, nenhum dos três modelos tomados isoladamente resolvem o problema da representação. Nas palavras de Cotta (2000, p. 1104), “um atento exame da realidade dos sistemas políticos representativos permite darmo-nos conta de que nenhum destes três modelos consegue uma atuação completa, em sua forma pura”. Por outro lado, combinando os três modelos puros, segue o autor, é possível definir o representante como um “fiduciário controlado que em algumas de suas características espelha as dos seus eleitores”.


Assim, o modelo fiduciário ou de confiança contribui com a autonomia (ou margem de manobra) necessária à atuação do representante; o modelo de delegação institui algum grau de vinculação do representante para com os representados; e o modelo sociológico atende “às exigências de ordem simbólica ou psicológica, que, em certos níveis e em certas situações, podem assumir notável importância” (ibid.) – como no caso de grupos marginalizados, que esperam de seus representantes não apenas representação, mas também inclusão no sistema político.


Isso posto, podemos passar ao tema da representação de interesses propriamente dito.


Representação de Interesses


Como se sabe, o assunto é bastante polêmico, uma vez que qualquer tipo de intermediação de interesses privados em órgãos públicos tende a ser, ao menos no Brasil, visto como suspeito e rapidamente classificado (pejorativamente) como lobby. Este termo importado da língua inglesa, embora tenha sido incorporado à linguagem cotidiana dos brasileiros, é utilizado (quase sempre) com conotação negativa: ou seja, para descrever atividades que são no mínimo suspeitas e, mais recentemente, até mesmo crimes tipificados no Código Penal – como corrupção e tráfico de influência.


O lobby ocorre, no entanto, como definido por Wagner Mancuso e Adréa Gozetto, “quando agentes sociais tomam a iniciativa de contatar membros do poder público, capazes de tomar decisões, a fim de apresentar-lhes seus interesses e pleitos” (Mancuso e Gozetto 2018, p. 20). Entendido dessa forma, não há nenhuma incompatibilidade entre essa atividade e o adequado funcionamento das instituições democráticas. Em outros termos, trata-se de uma forma legítima de representação de interesses, que pode ser mobilizada por indivíduos, grupos, empresas, organizações, associações, corporações, igrejas etc.


Apesar disso, não é incomum encontrarmos (na opinião pública e mesmo em trabalhos acadêmicos) a distinção maniqueísta entre lobby do bem e do mal. Nesse sentido, como observou Andréa Oliveira, se o recurso é utilizado, digamos, pelo setor financeiro, passa a ser caracterizado como “um lobby do mal e, portanto, ilegítimo”; já se a ferramenta de representação é mobilizada por representantes dos trabalhadores ou por defensores do meio ambiente, então é considerado “um lobby do bem” e, portanto, legítimo. De maneira mais geral, segue a autora, a representação de interesses do setor privado ou empresarial é, quase sempre, relacionada a abuso de poder econômico e outros interesses escusos – assumindo, por causa disso, uma conotação negativa (Oliveira 2005, p. 33).


Essa distinção maniqueísta entre interesses legítimos e ilegítimos não tem nenhuma utilidade analítica para o estudo do tema. É preciso, portanto, procurar por alternativas. Manoel Santos, com base na literatura pertinente, propôs a diferenciação entre “grupos de interesse econômico”, para se referir a defesa de interesses econômicos e/ou particulares realizada por organizações empresariais ou sindicatos de trabalhadores, por exemplo; e “grupos de interesses promocionais”, para caracterizar a defesa de causas coletivas ou difusas, isto é, que dizem respeito a interesses mais amplos, como a preservação do meio ambiente (Santos 2011, p. 17).


Está claro, portanto, que interesses promocionais incluem causas sociais, cujo interesse encontra-se difundido pela sociedade – como o controle da poluição, a sustentabilidade das atividades empresariais e a preservação do meio ambiente. O que não está claro é se causas sociais menos difusas (como a inclusão de grupos minoritários) também estão incluídas.


Audren Azolin, por sua vez, argumenta que a inclusão desses grupos (mulheres, negros etc.) é de interesse geral, uma vez que se trata de inclusão cidadã – ou seja, da difusão de direitos civis, políticos e sociais.


Dessa forma, a autora utiliza, em vez de interesses promocionais, a expressão “representação de interesse de causas sociais”. Estas, por sua vez, se dividem em causas especificas, relativas à inclusão cidadã de grupos minoritários; e em causas difusas, relacionadas a interesses coletivos, como a preservação do meio ambiente e a defesa dos direitos dos consumidores (Azolin 2020, p. 46-47).


Nos dois casos, como se nota, estamos tratando de classificações com pretensões analíticas, que categorizam as ações de grupos de interesses em diferentes tipos – e não de julgamentos valorativos dessas ações, como se algumas fossem mais legítimas do que outras. Esse é um bom ponto de partida para se compreender como ações de grupos de interesses podem influenciar a produção de políticas públicas. Voltaremos ao assunto nos próximos textos.


Wellington Nunes - Phd em Ciência Política e Consultor chefe da ARW

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