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Por que o lobby ainda não foi regulamentado no Brasil

A regulamentação encontra defensores entre os agentes públicos, no meio acadêmico e entre os profissionais da área – assim como entre ampla maioria da população (71%), conforme pesquisa realizada pelo DataSenado




Como estamos lidando com um debate que se estende por mais de três décadas, parece óbvio que essa questão já tenha sido levantada outras vezes, assim como respondida de diversas maneiras. Para organizar os argumentos vou reuni-los em dois grupos: a visão dos acadêmicos, pesquisadores e estudiosos da ação dos grupos de interesses; e a visão dos profissionais da área de representação.


Começando pela visão acadêmica, Wagner Mancuso e Andréa Gozetto oferecem um bom panorama dos argumentos comumente mobilizados por pesquisadores e estudiosos do assunto, no que se refere às razões pelas quais a regulação da atividade ainda não foi alcançada. De acordo com os autores, há quatros fatores principais.


Em primeiro lugar, haveria desinteresse por parte dos legisladores. Isso ocorreria porque, presumindo que a regulação favoreça a profissionalização da atividade de representação, os legisladores não estariam interessados em disputar espaço “com os lobistas profissionais pela representação dos interesses sociais”.


Em segundo lugar, também haveria certa hesitação por parte dos próprios lobistas. Isso ocorreria porque, se por um lado, a regulamentação tende a combater a “marginalidade que ronda a atividade”, por outro, obrigaria “os lobistas a agir de forma transparente, forçando-os a abdicar da atuação em cenários de pouca visibilidade, mais convenientes para a defesa de interesses ilegítimos”; adicionalmente haveria “o temor de que a regulamentação gere não apenas mais concorrência”, mas também burocratização da atividade, “ao determinar a frequente prestação de contas de gastos e atividades realizadas” (Mancuso & Gozetto 2011, p. 127).


Essa questão aberta trouxe achados interessantes, que podem ser reunidos em três temas principais: mídia e opinião pública; falta de conhecimento do assunto por parte da sociedade; falta de consenso sobre como regular a atividade.


No que se refere ao tema mídia e opinião pública, a avaliação de alguns dos respondentes vai ao encontro de um assunto já abordado neste espaço: a percepção mais ou menos generalizada (nos meios de comunicação e na opinião pública em geral) de que as atividades de representação de interesses é, na melhor das hipóteses, pouco transparente, quando não definitivamente ilícita ou criminosa. Isso fica muito evidente nas respostas listadas a seguir, citadas por Santos e Cunha (2015, p. 45-46):

  • “Há ainda a imagem negativa que a mídia irradia em relação a essa atividade. Temos também uma associação automática à corrupção, que realmente existe, mas não de maneira generalizada.”

  • “A grande mídia desvirtua a atividade de lobby, que acaba tendo conotação negativa e preconceituosa”.

  • “A opinião pública ainda não aceita bem o lobby, mesmo aquele feito de forma ética e transparente. Isto influencia negativamente para que o tema seja discutido de forma apropriada.”

No que diz respeito ao tema da falta de conhecimento por parte da sociedade, a avaliação de alguns respondentes aponta na direção de que o assunto é desconhecido pelo cidadão comum e, portanto, não faz parte do conjunto de demandas que a sociedade leva ao Estado:


  • “O assunto é de baixíssimo conhecimento das pessoas em geral. Mesmo os profissionais da área saberiam pouco discorrer sobre a questão.”

  • “O tema simplesmente ainda não amadureceu. A sociedade não sabe ainda o que é lobby. O tema não tem poder de agenda. Além do mais, uma lei anticorrupção efetiva é bem mais necessária que a regulação do lobby.”

Por fim, a falta de consenso levantada por alguns respondentes tem a ver com o fato de que, embora haja convergência entre os atores quanto à necessidade de regulação, a divergência prevalece quando o assunto é “como regular”:

  • “Existem pessoas e grupos que se beneficiam com a desregulamentação, o que possibilita uma confusão entre lobby e tráfico de influência.”

  • “Há consenso de que o lobby necessita ser regulamentado, mas ainda não há consenso sobre vários pontos do texto (mesma coisa que a reforma política). Algumas questões, infelizmente, são distantes da realidade política atual.”

  • “Os profissionais não sabem se a regulamentação será para melhor ou para pior e o governo não se posiciona diretamente sobre o assunto, muito embora existam ações da CGU e Casa Civil neste sentido.”

  • “Falta de consenso entre os grupos privados de atuação e o lobby da iniciativa pública.”

  • “Porque as propostas em tramitação não apresentam propostas adequadas”.

Por exemplo, vimos que na literatura acadêmica predomina a visão de que a regulamentação deve ter entre seus objetivos principais aumentar os níveis de transparência e accountability (prestação de contas) dos processos decisórios.


Por outro lado, as principais divergências dos profissionais da área se dão justamente nesse terreno: “i) a exigência da prestação de contas de seus gastos com lobby; ii) a obrigatoriedade de revelar seus interesses e os atores com os quais pretende interagir e exercer influência; e iii) com relação à forma como regulamentar a participação no processo decisório” (Santos e Cunha 2015, p. 47).


Ora, são esses os aspectos da regulamentação que, no fim das contas, teriam condições de tornar o processo decisório mais transparente e responsivo. E, no entanto, são esses os pontos que mais dividem os profissionais da área. Nesse cenário, é pouco provável que uma regulamentação ampla e efetiva da atividade representação de interesses avance.


Wellington Nunes - Phd em Ciência Política e Consultor chefe da ARW



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