A governabilidade é um tema essencial em regimes democráticos e se refere às condições para que um governo eleito (Poder Executivo) consiga levar sua agenda de políticas públicas adiante, conseguindo aprová-la junto ao Parlamento (Poder Legislativo).
O cenário para o terceiro governo Lula será muito mais desafiador do que tem sido até agora. Isso porque a governabilidade sob nosso presidencialismo de coalizão, descrita pioneiramente por Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, dependia fundamentalmente das prerrogativas legislativas do Executivo, por um lado, e da disciplina dos partidos no Congresso, por outro. Em conjunto, esses dois fatores forneciam ao presidente da República a margem de manobra necessária para aprovar sua agenda no Legislativo.
...estamos assistindo à redução da fragmentação partidária: embora o número de partidos representados na Câmara dos Deputados (com ao menos uma cadeira) tenha permanecido o mesmo (23), o número efetivo de partidos (que leva em conta o peso relativo das bancadas) saiu de 16,46, em 2018, para 9,27, após as eleições de 2022
Essa margem, porém, diminuiu de maneira muito significativa com três mudanças recentes: as aprovações do Orçamento Impositivo (2015), da obrigatoriedade das Emendas de Bancada (2019) e das chamadas Emendas do Relator (2020). Em conjunto, essas medidas deslocam a balança do poder para o lado do Legislativo: parlamentares não dependem mais da aprovação, pelo Executivo, de suas emendas, o que muda significativamente as regras do jogo.
Tudo isso é verdade, mas vale a pena tratar de um possível atenuante desse quadro: a redução do número de partidos relevantes no Congresso Nacional.
O número de partidos em perspectiva histórica
Ainda que se concorde que o multipartidarismo nacional, até certo ponto, reflita a heterogeneidade de um país imenso e desigual, como argumentou Sérgio Abranches em seu artigo pioneiro sobre o nosso presidencialismo de coalizão, é difícil discordar que esse processo exige limites institucionais claros. Sem isso, como argumentam alguns autores desde a redemocratização, a tendência seria termos um número exacerbado de legendas, o que tornaria o sistema político disfuncional, redundando em instabilidade crônica ou em elevados custos para a manutenção de alguma governabilidade.
Esse fato foi reconhecido pela própria classe política nacional, ainda no começo dos anos noventa, quando o Congresso Nacional incluiu na Lei dos Partidos Políticos (9.096/95), a chamada cláusula de desempenho (conhecida erroneamente como “cláusula de barreira”), que não impedia (ou barrava) o surgimento de novos partidos, mas estabelece critérios mínimos de desempenho eleitoral para que as legendas existentes pudessem acessar recursos públicos, como fundo partidário e horário eleitoral gratuito.
Esse dispositivo, porém, foi declarado inconstitucional pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em dezembro de 2006. Como resultado, o número de partidos relevantes no sistema político nacional seguiu crescendo de forma descontrolada até a década seguinte: chegamos a ter inacreditáveis 30 legendas representadas na Câmara dos Deputados em 2018 (antes das eleições).
Foi nesse contexto que mudanças importantes foram acrescentadas à nossa legislação eleitoral, entre as quais, o retorno das cláusulas de desempenho (2017), o fim das coligações proporcionais (2019) e o advento das federações partidárias (2021). Em conjunto, essas medidas respondem, em boa medida, à necessidade cada vez mais evidente de diminuir o número de partidos relevantes na política nacional.
Deu certo? Os resultados das eleições de 2018 e 2022 indicam que estamos avançando nessa direção.
Atenuantes para a governabilidade a partir de 2023
Em primeiro lugar, legendas nanicas ou sem base social relevante não conseguiram atingir o desempenho mínimo para acessar recursos públicos distribuídos aos partidos. Levantamentos preliminares indicam que apenas 13 dos 32 partidos existentes hoje atingiram a cláusula de desempenho em 2022: na verdade, 10 partidos (PL, União, PP, PSD, MDB, Republicanos, PSB, PDT, Podemos e Avante) e três federações (PT/PCdoB/PV, PSDB/Cidadania e Psol/Rede).
O destino dos demais partidos deve passar por fusões, incorporações ou formação de novas federações – o que, seja como for, redundará na redução do número de partidos com que os governos eleitos terão de negociar para aprovar sua agenda.
Na linguagem da ciência política, estamos assistindo à redução da fragmentação partidária: embora o número de partidos representados na Câmara dos Deputados (com ao menos uma cadeira) tenha permanecido o mesmo (23), o número efetivo de partidos (que leva em conta o peso relativo das bancadas) saiu de 16,46, em 2018, para 9,27, após as eleições de 2022 – de acordo com os cálculos de Lara Mesquita e Denise Paiva.
Em segundo lugar, a tendência é que esses números continuem a cair nas próximas eleições, já que o sarrafo das cláusulas de desempenho seguirá subindo até 2030. Se não houver retrocessos, o cenário até lá é o seguinte:
2026: cada partido deve obter, pelo menos, 2,5% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço dos estados, com pelos menos 1,5% de votos válidos em cada um deles; ou eleger 13 deputados distribuídos em, no mínimo, um terço da federação;
2030: cada partido deve obter, pelo menos, 3% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço dos estados, com pelos menos 2% de votos válidos em cada um deles; ou eleger 15 deputados distribuídos em, no mínimo, um terço da federação;
Partidos que não atingirem esse desempenho mínimo poderão continuar existindo, mas perderão acesso a recursos públicos do horário eleitoral gratuito e do Fundo Partidário, o que parece bastante justo: por que deveríamos seguir financiando, com recursos públicos, partidos com baixíssima representação social?
Em conclusão, embora o governo a ser iniciado em janeiro de 2023 vá encontrar enormes dificuldades em sua relação com Congresso Nacional (desde que possua uma agenda a ser implementada, caso contrário basta terceirizar o governo ao Centrão), essas dificuldades deverão ser atenuadas pela redução do número efetivo de partidos: ou seja, haverá menos interlocutores relevantes com quem negociar.
Wellington Nunes - Phd em Ciência Política e Consultor chefe da ARW
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